de natal

"Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte "

poetinha

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Tô entalada, vem pegar.


            – Sabe o que é? É o que construí para você, quero dizer, foi para mim, mas é seu.
            – E o que é, Julieta?
            – Eu num sei dizer, mas quando quiser venha pegar.
            – Pegar o que? É de comer?
           – Ai, homem. Não é desses negócios de encher a barriga; é mais como os homens das palavras dizem de encher a alma, sabe?
            – Não sei, não.
            – É de sentir um aperto dentro da gente, de querer colocar pra fora. Não, não... é de querer dar isso pra alguém. Mas dá medo na gente, sabe? Eu só queria que você aceitasse... Mas se você não quiser, apenas veja. Não, não, não... num é de se ver, não.
            – Que diabos é isso que num dá pra ver? Tá doida, é?
            – É que é grande, mas num sei mostrar. Tu nunca sentiu esse bolo entalado na goela, não? É só que eu queria que você viesse um dia pegar...
            Uns segundos em silêncio.
            – Raimundo, você está me ouvindo? Eu não tô louca, não.
            – Eu sei, mas eu tô confuso também.
            – Também? Você também está engasgado?
            – É, eu tô, sim!
            – Vem buscar. Acho que assim isso passa.
            – Não.
            – Olha, se você não vier pegar, eu não sei se vou guardar por muito mais tempo. Num sei o que fazer com esse negócio!
            – E tu acha que eu sei e estou preparado?! Nem vou ver isso; coisa grande e invisível!
            – Você sabe, Raimundo. Você construiu esse negócio na minh’alma; vem pegar o que é meu feito para você.
            – E o que vou fazer com isso?
 – Eu não sei. Quer dizer, eu saberia se fosse de você para mim. Olha, a ligação vai cair, tão acabando as fichas. Vou te esperar mais tarde. Você vem pegar?
            – Num sei. Não, eu vou. É bom que não esteja louca.
            Tum. Tum. Tum. Ecoa na intimidade do silêncio.

julho de 2012.


“Há sempre alguma loucura no amor. Mas há sempre um pouco de razão na loucura.”

Quando acordou quis gritar. Escreveu.
Nunca tinha entendido dessas coisas de poesia, uma vez a patroa disse:
- Julieta, o chico é tão lindo, né? Escreve bonito.
- É sim, patroa.
(sei lá quem é chico pensava)

Quando você foi embora
Os dias pra mim foram tristes demais
Nunca pensei que você
Fizesse a falta que agora me faz
Espero que você decida
E que volte logo pra mim
Mas volte pra mim”

Mas hoje acordou precisada.
Com o coração bicado por um passarinho que queria cantar, mas tava engasgado.
O coração bicava.
O passarinho não gritava.

“Não tô entendendo nada do que eu tô dizendo. Mas como põe pra fora?”
Na tevê um comercial dizia: “acolha o cansaço, prepare pro novo”.
Então tá bom.
Escreve.

“Raimundo, tu me deixou. Tu foi embora. Tu me largou. Raimundo, tu me coisou. Sim, coisou porque eu não sei o que tu fez, mas parece que me levou. Eu não tô aqui, Raimundo. Essa aqui não sou eu. Porque eu não sei quem é a Julieta mais não. Mas hoje doeu mais. Doeu tanto que eu tive que botar pra fora. A patroa disse que tem um homem que escreve bonito e que ele faz as pessoas chorar. Eu não quero isso não, fazer ninguém chorar. Eu só queria matar essa coisa que aperta sempre que olho pra porta e lembro que por baixo dela agora só passa eu.”

- Tu pega esse bilhete e leva. Leva pra longe. Porque tu já levou minha metade embora. Mas agora leva o resto que eu quero renascer.

                                                                                                                                   novembro de 2014




Erika e Fábio.







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