de natal

"Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte "

poetinha

sexta-feira, 4 de agosto de 2017

o feminismo nasce é da dor.

O meu feminismo nasceu de mãos dadas com a dor.

"Olhe moça, vou te chamar de moça. Você parece ter a minha idade. Aos 16 anos aprendi que a única coisa que eu não podia gostar da vida é de homem."
 Respiro. Ela me pegou.
Ela continua. Eu apenas a perscruto. Muita sabedoria em seus 22 anos de idade.
"Quando eu tinha 15 anos me casei, papel passado mesmo. Ele era crente. Se dizia crente. Mas ele me maltratava tanto ... eu perdi oito filhos. Oito crianças me foram tiradas através de murros. E pauladas. Sim, ele era bem inteligente em formas de me bater. Na oitava gravidez eu fui embora, eu só queria ter um filho, sabe? Uma coisinha assim que saísse de mim, talvez assim alguém me amasse ... Tive o filho. Com três meses de idade ele adoeceu. Ela levava ele pros médico, moça. E eles me diziam: "é só cólica, não seja besta, você é muito nova, sabe de nada". E assim ele morreu, em casa. Eu era mais pobre que hoje, não tinha dinheiro pra comprar esses remédio ai. Tava só eu e ele, moça. E eu nem sei do que ele morreu. Eu tava sozinha quando perdi todos os meus oito filhos. E olha, eu só tenho 22 anos. O pai dele disse que foi culpa minha ... Culpa minha! Ele morreu sem conhecer o menino. E a culpa é minha."
Choro. Meu? Ou dela? Não sei. Só consegui dizer com todo amor e ódio do coração.
"Meu bem, a culpa não é sua." - uma frase que uso como mantra pessoal, que escuto muitas vezes e a devolvo, pois sei o quanto essa convicção pode ser confortante.
"Mas, moça. Eu não tinha leite, sabe? Eu adoeci. Eu não consegui cuidar dele direito. Eu tive que ir embora e ficar só pra ele não bater em mim. E ele ainda disse que a culpa é minha. Moça, ele me bateu tanto, ele me estuprou, moça. Fazia coisas comigo contra minha vontade. Mas ele ter dito que a culpa foi minha é a maior dor que eu senti na vida."
"A culpa não é sua. A culpa não é sua." - repeti, pra mim e pra ela.
Eu queria pegar aquela menina de 22 anos tão pequena e dizer que a vida seria melhor, que tudo ia melhorar.  Esse meu feminismo é tão útil pra mim, cheio de teorias, músicas, poemas, livros ... tudo lindo. Mas ali tava uma mulher. Uma menina. Abusada a primeira vez aos 8 anos. Agredida desde os 12.
"A vida é uma grande merda mesmo, né? (ela ri) É, eu sei. É engraçado a psicóloga falando nome feio. Mas é isso, né? A vida é injusta. E tu sabe disso bem melhor que eu. E eu queria tanto olhar pra ti e dizer que vai ser tudo mais fácil agora. Mas tudo que eu posso te dizer é que agora você não tá sozinha. A gente tá junta. Enquanto mulher, enquanto parceira, enquanto gente."
Ela chora, ri. Não é muita coisa, mas pareceu algo.